Autor: Psicólogo Valcrezio Revorêdo CRP 17/4661
Sentir-se triste ou eufórico em alguns momentos da vida é algo comum a todos nós. Porém, quando essas oscilações de humor se tornam persistentes, intensas e prejudiciais à vida diária, é sinal de que algo precisa ser investigado com mais profundidade.
Os transtornos de humor, de acordo com o DSM-5-TR (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição – texto revisado), são condições clínicas que afetam profundamente os estados emocionais e cognitivos, prejudicando o funcionamento social, familiar e ocupacional.
Nesta matéria, vamos compreender os principais transtornos de humor, os critérios diagnósticos oficiais, as possíveis causas e, especialmente, a importância da avaliação neuropsicológica como ferramenta essencial no processo diagnóstico.
O que são transtornos de humor?
Os transtornos de humor envolvem alterações patológicas no estado emocional, que se mantêm ao longo do tempo e causam sofrimento clínico significativo. Diferentemente das flutuações normais de humor, esses transtornos não são passageiros e não se explicam apenas pelas circunstâncias externas.
Segundo o DSM-5-TR, eles se dividem em dois grandes grupos:
Transtornos Depressivos
Transtornos Bipolares e Relacionados
Por que é importante entender e diagnosticar corretamente?
Estudos de prevalência indicam que 1 em cada 5 pessoas terá algum transtorno de humor ao longo da vida (Kessler et al., 2005). A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta a depressão como a principal causa de incapacidade no mundo.
Além disso, o transtorno bipolar tem um alto risco de suicídio, com taxas estimadas entre 15% e 20%, segundo o National Institute of Mental Health (NIMH, 2023).
Por isso, reconhecer os sinais precoces e realizar uma avaliação clínica e neuropsicológica criteriosa é fundamental.
Transtornos Depressivos (DSM-5-TR)
Transtorno Depressivo Maior
Humor deprimido, perda de interesse, alterações no sono, fadiga, sentimentos de culpa, ideação suicida.
Critérios: 5 ou mais sintomas, durante pelo menos 2 semanas.
Transtorno Depressivo Persistente (Distimia)
Depressão crônica por 2 anos ou mais, com sintomas mais leves, porém contínuos.
Transtorno Disruptivo da Desregulação do Humor
Irritabilidade severa e explosões de raiva em crianças e adolescentes.
Transtorno Disfórico Pré-Menstrual
Sintomas afetivos e físicos graves na fase pré-menstrual, com impacto significativo na rotina.
Transtornos Bipolares e Relacionados (DSM-5-TR)
Transtorno Bipolar I
Pelo menos um episódio maníaco com ou sem episódios depressivos.
Mania: euforia intensa, impulsividade, agitação, comportamentos de risco.
Transtorno Bipolar II
Pelo menos um episódio de hipomania e um episódio depressivo maior.
Hipomania: semelhante à mania, porém menos intensa e sem prejuízo funcional grave.
Transtorno Ciclotímico
Oscilações crônicas entre sintomas hipomaníacos e depressivos por pelo menos 2 anos, sem preencher critérios completos para nenhum dos dois.
Causas e fatores de risco: uma visão integrativa
Os transtornos de humor resultam da interação entre fatores biológicos, psicológicos e sociais:
Biológicos:
Disfunções em neurotransmissores (serotonina, dopamina, noradrenalina)
Alterações na atividade cerebral em regiões como o córtex pré-frontal e a amígdala
Fatores genéticos: o risco aumenta se houver histórico familiar
Psicológicos:
Padrões de pensamento negativos
Traumas precoces, perdas, abandono
Baixa autoestima, culpa e autocrítica severa…
Sociais:
Estresse crônico
Isolamento social
Ambiente familiar hostil ou negligente…
Contribuições teóricas relevantes
Aaron Beck (TCC): desenvolveu a teoria cognitiva da depressão, explicando como distorções no pensamento alimentam o sofrimento emocional.
Emil Kraepelin: estabeleceu a base nosográfica do transtorno bipolar, diferenciando-o das psicoses.
Sigmund Freud: em Luto e Melancolia, propôs que a melancolia envolve uma perda internalizada do objeto amado.
Carl Jung: via os estados depressivos como oportunidades de reconexão com a totalidade psíquica.
Sinais de alerta: quando procurar ajuda
Tristeza ou euforia persistente;
Perda de interesse por tudo;
Alterações de sono, apetite ou energia;
Irritabilidade, impulsividade ou retraimento social;
Dificuldade de concentração ou tomada de decisões;
Pensamentos recorrentes de morte.
Psicoterapia, psiquiatria e neuropsicologia: uma aliança eficaz
O tratamento dos transtornos de humor deve ser integrado. Inclui:
Psicoterapia: (TCC, psicodinâmica, fenomenológica etc.)
Medicamentos: antidepressivos, estabilizadores de humor, antipsicóticos (quando necessário)
Avaliação e acompanhamento neuropsicológico
Psicoeducação e suporte familiar
Os transtornos de humor são comuns, graves e tratáveis. O diagnóstico precoce, feito de forma criteriosa, incluindo entrevistas clínicas, avaliações psicológicas e neuropsicológicas, pode transformar o prognóstico da pessoa.
A importância da avaliação neuropsicológica no diagnóstico
A avaliação neuropsicológica é uma ferramenta clínica essencial para compreender o impacto do transtorno de humor nas funções cognitivas e para diferenciar entre quadros clínicos semelhantes, como depressão, TDAH, transtorno de personalidade, ou transtorno bipolar.
O que avalia a neuropsicologia?
Atenção e concentração
Memória (verbal e visual)
Linguagem
Velocidade de processamento
Flexibilidade cognitiva
Inibição de impulsos
Planejamento e tomada de decisão, entre outros.
Por exemplo:
Depressão pode causar lentificação cognitiva, dificuldades de memória e atenção — quadro chamado de depressão pseudodemencial.
Transtorno Bipolar, especialmente em fases maníacas ou mistas, pode afetar o juízo crítico, impulsividade e raciocínio lógico.
Distimia, por sua persistência, pode afetar o desempenho acadêmico ou profissional de forma sutil, mas cumulativa.
Benefícios da avaliação neuropsicológica:
Auxilia no diagnóstico diferencial (por exemplo, entre depressão e início de demência).
Identifica déficits cognitivos associados ao transtorno.
Fornece dados para o planejamento terapêutico.
Monitora a evolução clínica ao longo do tempo.
Se você sente que suas emoções estão fora de controle ou conhece alguém que esteja em sofrimento, buscar ajuda não é sinal de fraqueza — é o primeiro passo para reconstruir o equilíbrio.
“O autoconhecimento não muda o que somos. Ele revela o que precisamos cuidar.”
– Adaptado de Carl Jung