Por Psicólogo Valcrezio Revorêdo CRP 17/4661
Transtorno do Desenvolvimento Intelectual: nomenclatura, critérios diagnósticos e a importância da avaliação neuropsicológica
O Transtorno do Desenvolvimento Intelectual (TDI), anteriormente denominado Retardo Mental, é uma condição do neurodesenvolvimento que se manifesta ainda na infância e compromete o funcionamento intelectual e adaptativo do indivíduo. Com a publicação do DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – 5ª edição), em 2013, o termo “retardo mental” foi oficialmente substituído por Transtorno do Desenvolvimento Intelectual, refletindo uma abordagem mais ética, respeitosa e alinhada com os avanços científicos e sociais da área da saúde mental. O DSM-5 – TR (revisado), publicado em março de 2022, mantém essa nomenclatura. Portanto, a mudança ocorreu no DSM-5, e o DSM-5-TR apenas manteve essa alteração.
O que caracteriza o Transtorno do Desenvolvimento Intelectual?
O TDI se define por dois critérios essenciais:
Déficits nas funções intelectuais, como raciocínio, resolução de problemas, planejamento, pensamento abstrato, julgamento, aprendizado acadêmico e aprendizagem pela experiência.
Déficits no funcionamento adaptativo, que resultam em falhas no cumprimento dos padrões de independência e responsabilidade social esperados para a idade do indivíduo e seu contexto sociocultural.
Estes déficits devem se manifestar durante o período do desenvolvimento (infância ou adolescência) e não serem melhor explicados por outras condições neurológicas ou psiquiátricas.
Classificação dos níveis de gravidade
O DSM-5 abandona a classificação por QI isolado (como “leve”, “moderado”, “grave” e “profundo” baseada em faixas numéricas) e adota uma abordagem mais funcional, com base na intensidade do suporte necessário nos três domínios adaptativos:
Domínio Conceitual (acadêmico/cognitivo)
Envolve capacidades como desenvolvimento da linguagem, vocabulário limitado e dificuldades de compreensão e expressão verbal; déficits no pensamento abstrato, no raciocínio lógico e na resolução de problemas cotidianos; necessidade de suporte contínuo para aquisição e manutenção de habilidades acadêmicas básicas (como leitura, escrita e conceitos numéricos) e dificuldade em generalizar aprendizados para diferentes contextos.
Domínio Social
Abrange prejuízos na compreensão de normas sociais e sutilezas da comunicação interpessoal; dificuldade para estabelecer e manter relações sociais com pares e tendência à passividade ou comportamento social inadequado devido à limitação na percepção de sinais sociais e emocionais.
Domínio Prático (vida diária)
Relaciona-se à necessidade de supervisão para realização de tarefas cotidianas (higiene, alimentação, deslocamento); dificuldades em planejar e organizar rotinas diárias de forma independente; comprometimento da capacidade de tomar decisões funcionais de forma segura e eficaz; postura defensiva, com irritabilidade e resistência frente a mudanças ou tarefas que demandem iniciativa ou autorregulação.
A gravidade do transtorno (leve, moderado, grave ou profundo) é determinada com base nos prejuízos nestes domínios adaptativos — e não apenas pelo QI.
A importância da avaliação neuropsicológica
A avaliação neuropsicológica é fundamental para um diagnóstico preciso do TDI, pois permite compreender como o indivíduo pensa, aprende, lembra, se comunica e interage com o ambiente. Vai além do simples uso de testes de QI, integrando uma investigação profunda de:
Funções cognitivas gerais (atenção, memória, linguagem, funções executivas);
Desempenho acadêmico e aprendizagem escolar;
Habilidades socioemocionais e de comportamento adaptativo;
Pontos fortes e recursos do indivíduo que podem ser potencializados em intervenções.
Esse tipo de avaliação é especialmente importante para diferenciar o TDI de outros quadros, como Transtorno do Espectro Autista (TEA), Transtornos de Aprendizagem Específicos ou quadros neurológicos e psiquiátricos com sintomas semelhantes.
Instrumentos e critérios utilizados na avaliação
A avaliação pode envolver:
Entrevistas clínicas e anamnese com responsáveis (levantamento de histórico de desenvolvimento, comportamento e funcionamento adaptativo);
Aplicação de escalas de comportamento adaptativo, como a Vineland Adaptive, que avaliam os três domínios mencionados;
Testes neuropsicológicos padronizados, como a WISC-V ou WAIS-IV para mensuração de habilidades cognitivas;
Observações clínicas e escolares, quando aplicável.
Impactos na vida diária e necessidade de suporte
Indivíduos com TDI enfrentam desafios significativos no cotidiano. Dependendo do grau do transtorno, podem necessitar de:
Suporte contínuo em ambientes acadêmicos, com adaptações curriculares e acompanhamento especializado;
Treinamento em habilidades sociais e de vida diária, para promover autonomia;
Apoio familiar e comunitário para inclusão social e proteção contra situações de vulnerabilidade;
Acompanhamento interdisciplinar (psicólogos, pedagogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e psiquiatras, quando necessário).
Importância do diagnóstico precoce e intervenções
O diagnóstico precoce do Transtorno do Desenvolvimento Intelectual é fundamental para maximizar o potencial adaptativo e funcional do indivíduo. Quando identificado e compreendido ainda na infância, é possível desenvolver um plano de intervenção individualizado que fortaleça as habilidades preservadas e promova avanços nos aspectos comprometidos.
A combinação de intervenções educacionais, terapias cognitivas e comportamentais, e suporte familiar e social pode resultar em ganhos expressivos em qualidade de vida e autonomia.
Considerações finais
O Transtorno do Desenvolvimento Intelectual é uma condição complexa, que requer uma compreensão ampla, cuidadosa e respeitosa de cada indivíduo. O uso da nomenclatura atual, os critérios diagnósticos do DSM-5-TR e o foco no funcionamento adaptativo representam um avanço importante no modo como avaliamos e acompanhamos essas pessoas. A avaliação neuropsicológica é uma ferramenta indispensável nesse processo, pois permite não apenas o diagnóstico, mas também o planejamento de intervenções eficazes, voltadas para o desenvolvimento da autonomia, da autoestima e da inclusão social.