Autor: Psicólogo Valcrezio Revorêdo CRP-17/4661
O Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) é um dos quadros mais estudados e, ao mesmo tempo, mais incompreendidos da psicologia e da psiquiatria. Ele não se resume a instabilidade emocional ou impulsividade, mas envolve um conjunto profundo de características que afetam a forma como a pessoa sente, pensa, se percebe e se relaciona com o outro.
Segundo o DSM-5-TR, o TPB é definido como um padrão persistente de instabilidade nos relacionamentos interpessoais, na autoimagem e na regulação emocional, acompanhado de impulsividade. Essa condição impacta intensamente a vida diária e a experiência subjetiva da pessoa, mas, com tratamento adequado, apresenta excelentes possibilidades de melhora.
A seguir, exploramos em profundidade o TPB, com base em pesquisas científicas atualizadas e em modelos teóricos amplamente reconhecidos na prática clínica.
1. Compreendendo a Complexidade do TPB
O TPB não deve ser entendido como uma “falha de caráter” ou “exagero emocional”, mas como um funcionamento psicológico estruturado ao longo da vida, resultado da interação entre fatores biológicos, temperamentais e ambientais.
Trata-se de um padrão que se inicia no início da idade adulta e se manifesta de forma duradoura, interferindo na maneira como a pessoa interpreta estímulos, reage a desafios e estabelece vínculos.
2. Origens e Fatores Contribuintes
A literatura científica aponta uma etiologia multifatorial.
2.1 Fatores Neurobiológicos
Estudos de neuroimagem revelam:
- hiperatividade da amígdala, região ligada ao medo, rejeição e ameaça;
- menor ativação de áreas pré-frontais, responsáveis pelo controle inibitório e autorregulação;
- alterações nos sistemas de serotonina e dopamina, impactando humor, impulsividade e motivação.
Esses fatores contribuem para uma vulnerabilidade emocional aumentada, típica do TPB.
2. Fatores Ambientais
Experiências adversas na infância são fortemente associadas ao desenvolvimento do transtorno, como:
- instabilidade familiar;
- ambientes emocionalmente invalidantes;
- negligência ou vínculos imprevisíveis;
- vivências traumáticas (emocionais, físicas ou sexuais);
- figuras cuidadoras inconsistentes.
A interação entre predisposição biológica e experiências precoces molda o padrão emocional característico do TPB.

Como Funciona o Indivíduo Borderline no Dia a Dia: Uma Visão Profunda e Descritiva
Conviver com o Transtorno de Personalidade Borderline não significa viver em crise constante, mas sim experimentar o mundo de uma forma emocionalmente amplificada, sensível e frequentemente imprevisível. No cotidiano, isso se expressa por meio de uma combinação de reatividade emocional, dificuldades na regulação afetiva, instabilidade nos vínculos e uma autoimagem flutuante.
A seguir, descrevemos — de forma clara e baseada na literatura científica — como essa dinâmica se manifesta no dia a dia
- O Acordar: Emoções Que Já Começam Intensas
Logo nas primeiras horas do dia, o indivíduo borderline pode:
- despertar com sensações emocionais fortes, mesmo sem gatilho claro;
- alternar rapidamente entre motivação, irritabilidade e tristeza;
- sentir um vazio persistente que acompanha as primeiras decisões da manhã.
Nessas situações, pequenas frustrações, como uma mensagem não respondida ou um imprevisto no trajeto, podem ganhar proporções maiores, evocando medo, raiva ou sensação de não pertencimento.
- Relações Interpessoais: Entre a Conexão Intensa e o Medo da Rejeição
No cotidiano, as relações, sejam amorosas, familiares, profissionais ou sociais, representam o espaço de maior vulnerabilidade.
A pessoa borderline costuma:
- buscar proximidade e segurança afetiva, muitas vezes com intensidade acima da média;
- perceber sinais mínimos como possíveis rejeições (olhar, tom de voz, demora em responder);
- idealizar alguém pela manhã e se sentir profundamente decepcionada com a mesma pessoa à tarde;
- desejar ser acolhida, mas, ao mesmo tempo, temer ser ferida ou abandonada.
Esse padrão não é manipulação, mas resultado de uma hipersensibilidade ao vínculo e de um sistema emocional extremamente reacional.
- No Trabalho e Nos Estudos: Entre o Alto Potencial e o Desgaste Interno
Profissional e academicamente, o indivíduo borderline pode:
- demonstrar forte capacidade intelectual e criatividade;
- dedicar-se intensamente a novos projetos, mas perder o impulso ao menor sinal de frustração;
- oscilar entre períodos de grande produtividade e fases de estagnação;
- sentir-se incompreendido ou injustiçado mesmo em críticas leves;
- ter dificuldade em planejar a longo prazo, organizar tarefas ou priorizar demandas.
Esses movimentos costumam estar ligados a:
- instabilidade emocional,
- impulsividade,
- dificuldade em sustentar metas por longos períodos,
- sensação de vazio ou inadequação.
Apesar disso, muitos conseguem desempenhar bem quando há acolhimento, estrutura e clareza nas expectativas.

- Relacionamentos Afetivos: Intensidade, Sensibilidade e Dor Relacional
Nos vínculos amorosos, o dia a dia pode ser um campo de emoções intensas:
- o borderline deseja proximidade quase constante;
- costuma interpretar mudanças sutis como sinais de abandono;
- sente medo profundo de perder a conexão e reage com impulsividade ou retraimento;
- alterna entre idealizar o parceiro e sentir frustração profunda.
Essa dinâmica, chamada de “ansiedade de separação”, não significa falta de amor, mas sensibilidade extrema à possibilidade de rejeição.
- Autoimagem no Cotidiano: Um Eu Que Oscila
Ao longo de um mesmo dia, a percepção de si pode mudar profundamente:
- pela manhã, a pessoa pode se sentir capaz, forte e confiante;
- pela tarde, após um pequeno conflito, pode sentir-se inútil, inadequada ou “quebrada”;
- à noite, pode voltar a se sentir esperançosa ou determinada.
Isso acontece porque a identidade no TPB é marcada por:
- instabilidade interna,
- dificuldade de integrar aspectos positivos e negativos de si,
- forte influência das emoções momentâneas.
Essas oscilações geram sofrimento real, mas podem ser manejadas e reduzidas com psicoterapia estruturada.
- Impulsividade no Dia a Dia: Alívio Imediato da Dor Emocional
A impulsividade no Borderline não é agir sem pensar apenas, é uma tentativa de reduzir rapidamente emoções insuportáveis.
Assim, no cotidiano, pode haver:
- gasto excessivo e repentino;
- conflitos explosivos;
- comportamentos de risco;
- compulsões alimentares;
- impulsos autolesivos;
- desistência abrupta de projetos.
Após o ato impulsivo, costuma surgir culpa, vergonha ou vazio, alimentando um ciclo emocional desafiador.

- Conflitos Internos e Autocontrole
Mesmo com toda essa intensidade, muitos indivíduos borderline:
- tentam controlar rigidamente suas emoções no trabalho, na escola ou em ambientes desconhecidos;
- conseguem manter uma “máscara social” funcional;
- apresentam hipercontrole em situações formais, mas desregulação emocional em ambientes íntimos;
- usam mecanismos obsessivos e perfeccionistas para manter a estabilidade.
Essa discrepância faz com que familiares vejam um lado mais vulnerável, enquanto desconhecidos enxergam alguém “funcional”.
- Crises Emocionais: Quando o Sistema Emocional Satura
As crises podem ser desencadeadas por:
- sensação de rejeição,
- mudanças inesperadas,
- críticas percebidas,
- frustrações relacionais,
- conflitos afetivos.
Nesses momentos, a pessoa pode sentir:
- desespero emocional,
- raiva intensa,
- sensação de abandono,
- despersonalização,
- impulsos autodestrutivos,
- necessidade imediata de alívio.
Com tratamento, a intensidade e a frequência dessas crises diminuem de forma expressiva.
- Vida Também é Feita de Qualidades: O Lado Forte e Humano do Borderline
Apesar dos desafios, indivíduos borderline possuem características valiosas:
- empatia intensa;
- sensibilidade profunda;
- autenticidade emocional;
- criatividade acima da média;
- capacidade de amar profundamente;
- coragem e resiliência;
- forte intuição;
- desejo real de conexão e crescimento.
Com apoio adequado e psicoterapia, esses traços se tornam recursos poderosos.
Coclusão: O Borderline no Dia a Dia é Intenso, Sensível e Profundamente Humano
O funcionamento diário da pessoa borderline é marcado por:
- emoções intensas,
- reatividade emocional,
- oscilações internas,
- fragilidade nos vínculos,
- impulsividade,
- sensibilidade ao abandono,
- grande tendência à conexão afetiva,
- energia psíquica abundante, porém mal regulada.
Mas, acima de tudo, é marcado por um desejo genuíno de ser aceito, compreendido e amado.
Com psicoterapia, o indivíduo borderline pode desenvolver estabilidade emocional, relações mais saudáveis e uma identidade mais segura.
Não se trata de uma sentença, mas sim, de uma trajetória de autoconhecimento, tratamento e evolução. A avaliação neuropsicológica pode ajudar na identificação do transtorno.
